Coordenadora de Oceanografia da UFPA defende mais investimentos para ampliar conhecimento na Amazônia costeira

19/06/2024 16:17

Por Laura Guido, estagiária de Jornalismo, com supervisão de Daniel Nardin

 

Com o objetivo de pautar a preservação ambiental nos manguezais da costa paraense, a comunidade acadêmica do curso de oceanografia da Universidade Federal do Pará realizou uma ação nas escolas básicas e praças públicas na cidade de São Caetano de Odivelas, interior do Pará, município que abriga diversos manguezais. No mês em que se comemora o dia dos oceanos (08 de junho), professores e alunos do curso deslocaram-se à cidade para a ação “Mangue de saberes: vivência ou sobrevivência?”, no intuito de conscientizar a população sobre a preservação dos manguezais, haja vista que é uma das principais fontes de renda e alimentação dos moradores daquela região, que vivem da pesca.

 

É válido destacar, ainda, que a Amazônia, a partir da costa do Pará e Maranhão abrigam a maior faixa contínua de manguezais do mundo. Nesse sentido, torna-se fundamental que atividades socioeducativas de conscientização acerca da preservação ambiental sejam realizadas. A iniciativa de atividades de educação ambiental nessa região dos manguezais acontece há dez anos, fruto de uma parceria entre a comunidade acadêmica da Faculdade de Oceanografia (UFPA) e do Observatório da Costa Amazônica (OCA). Neste ano de 2024, a ação contou com a participação de aproximadamente 600 pessoas da comunidade de São Caetano de Odivelas e da Ilha de São Miguel, que fica localizada nas imediações do município. 

 

Nossa equipe conversou com a coordenadora do único curso de Oceanografia da região Norte para conhecer mais os desafios da área de pesquisa com esse tema. Na conversa, Sury Moura Monteiro, professora da Universidade Federal do Pará defende mais investimentos para o curso de Oceanografia da instituição, o único do Norte e 2° na Amazônia Legal, já que a Universidade Federal do Maranhão também dispõe do curso. 

 

Cearense de nascimento, mas paraense 'por adoção', Sury Monteiro tem metade dos 39 anos de vida dedicada à Amazônia. Ou melhor: à uma das muitas 'amazônias'. Normalmente, as pesquisas na região estão mais voltadas para o verde e sua rica biodiversidade. Mas, na Amazônia, a diversidade dos biomas é tão grande que inclui o azul dos oceanos e as muitas tonalidades dos manguezais. A Zona Costeira Amazônica tem cerca de 2,5 mil quilômetros e abriga um dos maiores cinturões de manguezais do planeta. Os manguezais são berçários de inúmeras espécies e fonte de renda para comunidades. A costa se estende desde o rio Oiapoque, no Amapá, até a Ilha de São Marcos, no Maranhão, cortando diversos municípios do litoral paraense. Além, é claro, da área de oceano, que ainda precisa de mais estudos para ampliar o conhecimento da vida marítima e biodiversidade. 

 

Os mangues são vitais também para a captura de carbono, atuando, assim, na diminuição de gases de efeito estufa na atmosfera, fundamental para as discussões sobre mudanças climáticas. Além disso, a zona costeira também é ponto central de um debate que vem ganhando dimensões nacionais e internacionais: a possibilidade de exploração de petróleo na Margem Equatorial, que vai do Amapá até o Rio Grande do Norte. Por todos esses fatores - e tantos outros - a pesquisa em Oceanografia na Amazônia merece atenção e mais investimentos, como defende Sury.

 

Ainda jovem, ela coordena o único curso de oceanografia na região norte - são apenas dois na Amazônia Legal, com outro curso na Universidade Federal do Maranhão. Com os olhares para a região, Sury Monteiro tem como objeto de estudo a educação ambiental, comunidades tradicionais nos processos formativos de qualquer tema relacionado a oceanografia, como recurso pesqueiro, resíduos sólidos e problemáticas ambientais gerais que acometem as comunidades.

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Em comemoração ao dia do oceanógrafo, celebrado em 08 de junho, a reportagem do Amazônia Vox conversou, em profundidade, com a professora Sury Monteiro, coordenadora do curso de oceanografia na UFPA. Para a professora, o oceanógrafo tem uma visão muito plural do ambiente e da sociedade. Assim, poder ter esse olhar amplo é algo que a despertou e motivou a sua formação: tanto no mestrado, quanto  no doutorado. 

 

Confira abaixo a entrevista na íntegra:

 

Quais são os principais desafios enfrentados pelo curso? Na sua visão, enquanto docente, qual a importância da oceanografia na Amazônia? 

 

Eu não sei nem quantificar quais são… Mas, vou tentar citar os que são mais impactantes. A Amazônia, embora exista um olhar mundial para se entender, se estudar, ela foi vista por muito tempo como uma grande floresta, com uma riqueza de biodiversidade. Embora o oceanógrafo também estude essa biodiversidade, da floresta de mangue, por exemplo, que está mais associada à oceanografia, a nossa região vai além disso. Então, tem processos em pequena, média e grande escala, de dimensão e de espaço e tempo, que são fatores que dificultam muito o estudo. Por exemplo, a metodologia da oceanografia clássica, que é aplicada em outras regiões do Brasil, aqui normalmente não funciona e precisa ser adaptada. A nossa escala espacial é diferente, a escala dos nossos processos também, como a ação das marés, a ação das ondas, ventos… Temos processos muito particulares, processos físicos, químicos e meteorológicos muito particulares aqui na nossa região. Todos esses processos impactam e têm implicações na ecologia, na biodiversidade como um todo. A nossa dificuldade espacial e temporal está em preencher essas lacunas com métodos que precisam ser criados ou adaptados. E esse é um grande desafio que eu enxergo do ponto de vista da pesquisa. 

 

Outro ponto é que nós temos áreas de difícil acesso. Nossos manguezais são extensos, muitas vezes não conseguimos acessar, por dificuldades logísticas operacionais que outras regiões não tem. Estamos muito distantes da oceanografia clássica de trabalhar o “azul do mar”. No Rio de Janeiro, por exemplo, é só colocar o olho na praia que já se enxerga o azul. Aqui na nossa região, para enxergar o azul do mar, precisamos navegar mais de um dia para chegar no oceano efetivamente. Mas, trabalhar nessa zona costeira amazônica, que é toda essa região influenciada pela maré, é algo muito particular e especial. Então, é um olhar diferente para cada oceanógrafo: para alguns pode ser uma dificuldade, mas eu prefiro enxergar como desafios e oportunidades. 

 

Também temos um número muito pequeno de pesquisadores na nossa região. Não temos infraestrutura tão robusta quanto outras instituições de pesquisa ou ensino para fazer análises mais complexas. Então, isso também é uma dificuldade: o nosso corpo de jovens talentos ou de jovens doutores, ou de especialistas em determinadas áreas ainda é muito restrito. Normalmente os bons profissionais acabam sendo “exportados” para buscar aperfeiçoamento. Temos essa restrição de recursos humanos, mas eu sempre gosto de olhar pelo otimismo: que bom que a gente tem um curso de oceanografia, uma pós-graduação que está formando essas pessoas e que, efetivamente, querem se formar na região amazônica, se dedicar a entender e buscar soluções para esses desafios que enfrentamos.

 

A UFPA tem o único curso de oceanografia em universidade pública e, se considerar a Amazônia Legal, são dois, com a Universidade Federal do Maranhão. Você acha que devem ser feitos mais investimentos nessa área de pesquisa e formação de profissionais para a área?

 

O curso tem em sua carga horária 40% de atividades práticas que permitem o profissional operar equipamentos em ambiente natural. Então, existe um embarque oceanográfico que precisa de um navio, que demanda equipamentos robustos. Essa infraestrutura de prática faz com que o curso acabe se tornando mais caro. De fato, a Universidade Federal do Pará tem um olhar muito atento aos cursos do Instituto de Geociências como um todo. Na última década, tivemos uma redução robusta nos recursos, mas estamos nos reinventando no processo de otimização desses recursos, que precisam ser atualizados monetariamente também. Em termos de pesquisa, os professores da Faculdade de Oceanografia desenvolvem pesquisas a partir de duas formas de agências de fomento, tanto a Fundação de Amparo a Estudos e Pesquisa do Estado do Pará (Fapespa), quanto pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que permitem que os alunos tenham bolsa de Iniciação Científica, fortalecendo a formação dos estudantes.  

 

Em relação ao debate sobre a possível exploração de petróleo na chamada Margem Equatorial, na costa litorânea do Amapá e Pará, como o assunto está sendo debatido no âmbito do curso?

 

Existem disciplinas específicas que tratam de forma mais ampla a questão da exploração mineral como um todo. Então existe no ambiente oceânico a exploração de diversos recursos minerais, da área da oceanografia geológica e as suas interações com a oceanografia química, porque aborda a questão da poluição marinha, que pode ocorrer a partir das atividades de exploração. Existem também disciplinas da oceanografia social que estão mais voltadas à questão de como a comunidade enxerga esses grandes projetos de implementação de estruturas no meio ambiente. Independente do grande projeto, vão existir comunidades, pessoas, territórios que precisam ser respeitados. Na zona costeira, tem professores da oceanografia social que dão disciplinas focadas nessas demandas da sociedade frente aos grandes projetos.